terça-feira, 31 de agosto de 2010

Fugacidade

Sempre fui inimiga do tempo, e desconfio de quem não é. Quando queremos que o tempo passe rápido, as horas se estendem propositalmente. Se precisamos que um dia tenha 36h, o fim de semana dure mais, ou aquela festa não acabe, ele voa.

Como tratar com cordialidade o responsável pelo fim da infância? Gostaria de ser apresentada a quem gostou de trocar vestidos por calça jeans, bonecas por maquiagem, merendeiras por barrinhas de cereal. E depois, a quem preferiu se despedir do pátio do colégio, do jogo de queimada, das aulas insuportáveis de física para ficar com a faculdade e os estágios..

Quando se pensa que vai melhorar, o vilão da vez - que nunca deixa de trabalhar - acelera tudo mais um pouco e nos vemos dando adeus à faculdade, aos bares no meio da tarde, aos trabalhos, para ingressar no mundo burocrático dos adultos. Bem fez foi Peter Pan que ficou pela Terra do Nunca..

Acho que por isso que o tempo é invisível..eu também preferia permanecer no anonimato se tivesse a função dele. Uma das coisas que mais me incomoda em dias de saudosismo como este, são as ideias que junto com os dias, também vão embora.

Quantas vezes - e a quantas pessoas - juramos amizade eterna, amor infinito, cumplicidade maior do mundo? Quantas vezes se ouviu dizendo que este ou aquele foi o melhor dia de sua vida? E o pior? Quantos planos, viagens e histórias nunca sairam do papel?

Perdoem-me, aliás, pelo surto de infantilidade, mas para onde vai tudo?

Ninguém é insubstituível. Assim como o tempo, tudo sempre passa.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A arte do comum

Sua arte exigia precisão e qualquer falta de atenção o obrigaria a começar tudo de novo. Mas sua naturalidade era tanta, que ele parecia nem se importar – talvez pelo tempo que tinha de profissão – conversava alegremente com qualquer um que passava.

Sua simpatia contrastava enormemente com a matéria prima: aço, ferro, metal, graxa. Nunca tinha reparado no talento invisível de pessoas como o do seu Manoel. Ele, aliás, leva uma vida semelhante a artistas iniciantes: vida humilde, falta de reconhecimento e muitos sonhos.

Ideais que talvez ele não cumpra em vida. Aos 70 anos, nenhum de seus oito filhos deseja seguir a mesma carreira. "Todos estão casados, diz Manoel orgulhoso, mas nenhum quer continuar meu trabalho. Meu filho até tentou, mas quando começou a sujar suas mãos de graxa, desistiu.Hoje é professor”.

Mas isso não abala o artista, que tem muito orgulho do que faz. Nascido em Camaçari, cidade do interior da Bahia, Manoel veio para o Rio em seus vinte e poucos anos, encontrar com uma irmã que aqui já morava. Se mudou para o Grajaú, onde viveu maior parte de sua vida – agora mora em Caxias –, e sempre trabalhou na zona sul. Ficou um tempo em Copacabana e há uns 20 anos seu posto é em botafogo, nas redondezas do Humaitá.

Quando pergunto se sente saudades de sua terra, ele prontamente responde que não. “Lá não é mais a minha terra. Todas as pessoas que conheci por lá já se foram, só tenho um irmão que ainda vive lá, de resto não tenho mais identificação”. Admiro a sabedoria das pessoas mais simples. Ao invés de gastar dinheiro em análises, são educados pelo pão nosso de cada dia.

Conheci seu Manoel ao acaso. Precisava fazer a cópia de uma chave e seu posto fica na esquina do meu trabalho. Mas seu Manoel pode ser qualquer um, e ter várias profissões. Afinal, quantos artistas do cotidiano não percorrem nossa cidade?

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Mentirinha branca

Crianças e idosos são portadores de uma característica rara e curiosa: falam sempre a verdade. Então, se preferes permanecer na ignorância, fique longe desses seres cruéis.

Acho que eu mesma não ouvi essa recomendação. Fui passar o fim de semana em uma fazenda, onde estava uma velhinha bem simpática, daquelas que possuem uma lingua afiada - o que pode ser carismático, quando você não é o alvo.

Pois bem, me aproximei e ela, não hesitante em puxar um assunto, perguntou o que eu fazia da vida. Eu, orgulhosa com a minha recente colação de grau, respondi, ingênua:
- Acabei de me formar em jornalismo.
A reação dela foi a pior possível. Tentando não parecer descortês, ela forçou um sorriso e o resultado foi que a emenda foi pior do que o soneto..

Não foi a primeira vez que isso aconteceu, dei um sorriso sem graça e para evitar novos constrangimentos, pensei em uma nova tática. Dependendo de quem faça essa pergunta vou responder outra coisa:médica, advogada, profissões que não se desdobrem em reações duvidosas, uma mentirinha branca.
Ai uma viagem..nos tornaremos - nós jornalistas - vítimas da invisibilidade?

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Entre a farda e a batina

Voz imponente, corpo truculento e palavras doces. Do alto dos seus 2,02 metros Padre Marcelo Assis Paiva parece ainda maior quando está no altar da pequena igreja de Nossa Senhora da Luz, no Alto da Boa Vista. De inicio sua presença pode inibir algum visitante desavisado, mas os fiéis frequentadores da igrejinha parecem nem reparar, interagem com o padre de forma contagiante e se concentram quando começa o sermão.

O número de pessoas que assiste à missa do Padre Marcelo Assis impressiona. É sábado à tarde, em um ponto longínquo e escondido do Alto da Boa Vista e a igreja, cheia de integrantes da meia e terceira idade, acompanhados de filhos e netos. Seu discurso é diferente, adaptado ao mundo moderno, e usa os frequentadores da missa como exemplo. E ele não faz feio, conhece a todos pelo nome.

Há seis anos, Assis foi transferido de Madureira para o Alto da Boa vista, depois que o então sacristão da igrejinha foi assassinado. Mas não foi só a altura de Assis que o fez ser escolhido. É que além de padre, ele é também policial militar. Assis é um dos sete padres do Rio de Janeiro que é também capelão. A profissão é antiga e assegurada pela Constituição Federal.

A pedido da Arquidiocese do Rio padre Marcelo Assis se inscreveu e passou no primeiro concurso para capelão da PM, em 1994. “Para mim foi muito natural. Eu já venho de uma instituição hierarquizada. Não precisei entrar na polícia para aprender isso. Desci túnel, recebi granada de gás lacrimogêneo, tirei dez em tiro”, conta.

Depois de seis meses de treinamento, ele se tornou policial com porte de arma – que não usa por ser padre. “Estou na polícia para os policiais, e não para garantir a segurança pública”, explica. Hoje, aos 45 anos, ele presta assistência religiosa a policiais vítimas de armas de fogo e as respectivas famílias no Hospital Central da Polícia Militar, HCPM, no Estácio. Lá ele também reza uma missa toda segunda-feira, sempre ao meio dia.

A experiência no quartel e sua rotina diária foram fundamentais para que ele entendesse melhor a realidade dos policiais militares. “Você perde o preconceito do policial corrupto. Eles não têm estabilidade no emprego, convivem com o lixo da sociedade, lidam com todas as mazelas, pobreza, tráfico, convivem com o que há de pior”, admite.

Mas o número de capelães no Rio ainda é pequeno se comparado ao número de integrantes da corporação militar, que chega a 38 mil homens, segundo o site da PM, e à extensão territorial do estado. Padre Marcelo Assis conta que áreas mais distantes ficam prejudicadas e que, por isso, o governador Sérgio Cabral, resolveu dobrar o número de capelães de sete, para 14.

O trabalho de Assis na PM mudou sua impressão sobre a corporação, e com certeza influenciou na sua função de padre. Mas para a igrejinha Nossa Senhora da Luz a rotina dele passa quase despercebida. O que importa é que a missa não atrase. Enquanto isso, Marcelo Assis segue se dividindo entre a farda e a batina.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O monstrinho da escrita

Certa vez me deparei com a seguinte pergunta: Porque você escolheu jornalismo? Era um daqueles questionários infindáveis - e cruéis - típicos de processos seletivos. Como traduzir a emoção que tenho ao escrever um texto em uma linha sintética, concisa e lógica de palavras?

E a melhor resposta que tive na época foi: Eu não encontrei o jornalismo, ele me encontrou. Brega não? Mas é verdade. Acho que o texto sempre esteve dentro de mim, o que a longo prazo se tornou problema, porque desenvolvi uma relação retraída com ele. Sempre tive dificuldade de dividi-lo.

Uma coisa é trabalhar para um veículo, outra é partilhar textos próprios.
Minha teoria - e acostumem-se, sou cheia delas - é que o que se escreve vem carregado de subjetividade, e o que sinto ao mostrá-lo a alguém, é que estou expondo uma grande parte de mim. E como é desafiador!

Então me tornei jornalista, não escondo minha paixão pela arte de escrever, mas sempre fui resistente a criar um espaço meu, embora desejasse muito. Foi preciso uma amiga criar um blog para eu me sentir encorajada o suficiente para fazer o mesmo. Enfim, liberei o monstrinho da escrita.

Apresento a vocês uma proposta ousada e diferente: pautas sobre - como o próprio nome do blog diz - os invisíveis. Histórias sobre aqueles que nos passam despercebidos no dia-a-dia ou que escolhemos não ver. Pessoas que se tornam nobres pelo trabalho que praticam, simplicidade que possuem, ou contribuição que deixam para o mundo.