sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A arte do comum

Sua arte exigia precisão e qualquer falta de atenção o obrigaria a começar tudo de novo. Mas sua naturalidade era tanta, que ele parecia nem se importar – talvez pelo tempo que tinha de profissão – conversava alegremente com qualquer um que passava.

Sua simpatia contrastava enormemente com a matéria prima: aço, ferro, metal, graxa. Nunca tinha reparado no talento invisível de pessoas como o do seu Manoel. Ele, aliás, leva uma vida semelhante a artistas iniciantes: vida humilde, falta de reconhecimento e muitos sonhos.

Ideais que talvez ele não cumpra em vida. Aos 70 anos, nenhum de seus oito filhos deseja seguir a mesma carreira. "Todos estão casados, diz Manoel orgulhoso, mas nenhum quer continuar meu trabalho. Meu filho até tentou, mas quando começou a sujar suas mãos de graxa, desistiu.Hoje é professor”.

Mas isso não abala o artista, que tem muito orgulho do que faz. Nascido em Camaçari, cidade do interior da Bahia, Manoel veio para o Rio em seus vinte e poucos anos, encontrar com uma irmã que aqui já morava. Se mudou para o Grajaú, onde viveu maior parte de sua vida – agora mora em Caxias –, e sempre trabalhou na zona sul. Ficou um tempo em Copacabana e há uns 20 anos seu posto é em botafogo, nas redondezas do Humaitá.

Quando pergunto se sente saudades de sua terra, ele prontamente responde que não. “Lá não é mais a minha terra. Todas as pessoas que conheci por lá já se foram, só tenho um irmão que ainda vive lá, de resto não tenho mais identificação”. Admiro a sabedoria das pessoas mais simples. Ao invés de gastar dinheiro em análises, são educados pelo pão nosso de cada dia.

Conheci seu Manoel ao acaso. Precisava fazer a cópia de uma chave e seu posto fica na esquina do meu trabalho. Mas seu Manoel pode ser qualquer um, e ter várias profissões. Afinal, quantos artistas do cotidiano não percorrem nossa cidade?

4 comentários:

  1. Lindo texto, Elisa. Vou voltar mais aqui. Gostei!

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  2. Oi, Elisa,

    muito legal o texto e parabéns pelo blog!

    Adorei a parte: "Admiro a sabedoria das pessoas mais simples. Ao invés de gastar dinheiro em análises, são educados pelo pão nosso de cada dia"

    bjs

    polito

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  3. Show!
    "...educados pelo pão nosso de cada dia"
    Este é o tratamento.
    Parabéns Prima!

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  4. Obrigada gente =)
    Semana que vem tem mais!

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